O conselho do Santiago esmagava as idéias de Arthur feito um triturador de lixo.
“Não adianta reconciliar. Vai ficar tudo bem agora. Daqui a 10 anos, os dois vão estar jantando à luz de velas, e do nada, você vai se virar pra ela e atirar na cara: SUA PUTA!”.
Ruim trabalhar com a cuca turbinada. Pensando no par de guampas que botaram no meio de sua cabeça. Nessas horas aparecem os piores jobs pra resolver. E o corneado está sempre muito longe de suas próximas férias, muito distante de resolver sua penosa questão existencial.
Dureza. O cara lembrando toda hora que é corno, que a patroa está se abrindo pra um gardelón qualquer, e tome reunião, briefing, prazo estourado, “refação” de anúncio.
Todo mundo pensa que é glamoroso mexer com Publicidade. Que se convive com mulheres de 200 talheres. Que a grana de um salário dá pra comprar um Vectra.
Mas vá sentar na cadeira do Arthur.
Olha lá o pobre. Triste feito um alce doente. Tendo que resolver o problema de vendas de uma rede de supermercados falida, informar que um banco tem uma nova linha de crédito, que uma ótica está vendendo armações importadas com um desconto especial de 30%.
Arthur ia acabar tendo um peripaque. E o seu jovem e ambicioso diretor de arte não ajudava em nada.
- Arthur? Fez o título pro iogurte?
- Arthur, e se a gente ficasse hoje até mais tarde, pedisse uma pizza e tentasse fazer uns filmes pra concorrer a prêmio?
- Arthur, o cliente tá na sala de reunião. Pega a pasta aí com os layouts e apresenta pra mim que eu tô fodido aqui com outro job.
- Arthur, seu cuzão! Eu tô falando com você, Arthur!
O nome do jogo é dinheiro. Ninguém deve ser contra um papel sujo que mantém o nome limpo. Mas devia existir uma regra onde os galhados teriam direito à uma licença remunerada por prazo indefinido. Guampa é mais estressante que ser demitido, mudar de país, perder um parente próximo - tudo ao mesmo tempo.
Pobre Arthur.
Não conseguia fazer uma linha de texto sem pensar na ex-mulher. Quando começava a aparecer uma ideiazinha, ainda que tênue, logo vinha a imagem da desgraçada, peladona, em cima de uma cama indefinida – gemendo, gozando, chorando baixinho debaixo de um cara indefinido. E aquele letreiro embaixo: “Arthur =chifrudo”.
Na duocentésima vez que Arthur “viu” a tal da cena com a “ex”, Santiago, do Atendimento ao Cliente, entrou na sala e fez o convite:
- E aí, vamos num puteirinho chique, hoje?
Por que não?
Nada como uma casa de lenocínio pra aplacar a dor de testa.
Lá pelas 11 da noite, depois de inúmeras doses de Cutty Sark num bar do Itaim se mandaram pra casa da luz vermelha.
Arthur, casado havia uns bons 12 anos, era quase um debutante na arte do bas-fond. Freqüentara esse tipo de casa na época da faculdade, ali pelos baixos da Rua Augusta.
Nada além.
Santiago foi o anfitrião.
O som da sofisticada casa explodia os tímpanos: Frank Sinatra, Barry White, em surround sound.
Abrigaram-se numa mesa lateral. Santiago não perdeu tempo: foi logo escoltando duas garotas: Taís e Irina.
Falava, como sempre, pelos cotovelos.
- Vocês são uma coisa, deviam ser modelos. Se quiserem, podemos descolar um fotógrafo pra clicar as duas. Trabalhamos em Propaganda. Ele, Criação, eu, Atendimento.
Para surpresa de Santiago, Arthur foi pegando desbragadamentre a mão de Irina, como se fossem namorados. Levou-a pra uma mesa, no escurinho. Pediu vinho e o cardápio.
Ficaram ali conversando, olhos nos olhos, como dois pombinhos, por um tempo enorme.
Santiago estava pra se impacientar, mas o objetivo da noitada era colocar Arthur nos trilhos. Paciência.
No meio da ceia, Irina e Arthur saíram dos risinhos e partiram para o língua-na-língua, ignorando completamente a barulheirai em volta.
Bingo!
Na outra mesa, Taís insistia com Santiago pra saírem dali, ela conhecia um flat excelente nas imediações.
Não ia ter jeito. Teria de morrer com uma grana. Lei da Selva: ajoelhou tem de rezar.
Deu um selinho em Taís e foi tirar água do joelho.
Passou pela mesa de Arthur, que agora fazia um brinde com Irina.
Santiago sorriu pra dentro, o amigo caminhava pra uma recuperação sentimental.
Na volta do banheiro, ouviu um grito.
Girou o corpo e viu Arthur levantando-se da mesa.
- SUA PUTA! – berrou pra uma Irina em prantos e dirigiu-se, resoluto, à porta de saída.
Dias depois, dessa vez a pedido de Arthur, resolveram voltar à outra casa suspeita.
A mesma cena da noite anterior.
Arthur chama a profissional pra uma mesa mais discreta, pede vinho, jantar e depois de um tempo berra:
- SUA PUTA!
A situação se repetiu durante meses. As meninas já conheciam Arthur e não estranhavam mais os seus rompantes. (Ele agora também passara a deixar o dinheiro do programa em cima da mesa, antes de xingar e sair bufando).
Para decepção de Santiago, de tanto treinar, Arthur acaba de se reconciliar com a ex-mulher.
Já avisou a todos na agência que viaja, em segunda lua-de-mel, para Fernando de Noronha.
Vi lá no Castelorama
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